quinta-feira, 19 de maio de 2011

Dores estranhas.


O amor é, por definição, um prémio sem mérito.


Se uma mulher me diz:

eu amo-te porque tu és inteligente, porque és uma pessoa decente, porque me dás presentes, porque não andas atrás de outras mulheres, porque sabes cozinhar, então eu fico desapontado.

É muito mehor ouvir:

eu sou louca por ti embora nem sejas inteligente nem uma pessoa decente, embora sejas um mentiroso, um egoísta e um canalha.


Milan Kundera, in "A Lentidão"




Bom dia Dr.

-Olá garota, não esperava encontrar logo cedo uma paciente tão jovem...sente-se!

Sério?! Não acredito que estabeleceram um padrão de idade e tempo pras pessoas procurarem um cardiologista?

- Quê isso moça, só estou surpreso por que não é comum na minha especialidade me deparar com uma paciente tão jovem. Mas o quê você sente?

Sinto umas dores no peito esquerdo. É uma dor fina na parte de baixo, parece uma farpa e eu deveria sair dessa sala agora.

-Sair da sala? Você está sentindo alguma coisa?

É. Sair da sala. Eu não deveria confiar em alguém tão jovem pra cuidar do meu peito ou do que tem nele. Não é comum atribuir experiência à um profissional de vinte e poucos anos e acredito que o meu caso requeira.

- Engraçada você meu amor. Vamos continuar na consulta. Essa dor é central ou ela irradia?

Tudo bem. Espero não ter te chateado, só quis revidar. A dor é só em um lugar, parece dor de desilusão sabe? Só em um lugar.

-Hum, sei. E quando você se curva alivia?

Sim, um pouco, quando abraço os joelhos e as lágrimas molham o meu peito como se fossem analgésicos.

-Hahahaha! E se você pressionar o lugar que dói com os dedos a dor aumenta?

Sim.

-Acredito que a sua dor seja muscular, apenas, por isso que as lágrimas analgésicas aliviam. Mesmo assim vou te examinar e fazer um eletrocardiograma, tudo bem?

Sim. Mas não dói né?

- Não dói, eu nunca lhe machucaria meu amor.

Nossa! Você mal conhece as dores do meu coração e me chama de meu amor pela segunda vez em menos de trinta minutos. Imagino que o seu conceito de coração é que ele seja apenas um músculo que pulsa e tem uma válvula mitral.

- Não. É que te chamar de meu amor dá um sopro no meu coração. É algo esquisito, mas gostei.

Hahahahaha. Eu não acredito no que estou ouvindo, mas é bom haver essa descontração que me distrai. Até porque isso não existe, olhe, tenho uma tatuagem no ombro, sofro por um canalha, sou arrogante e provavelmente cardíaca. Eu não vejo nada de atraente nesse conjunto.

- Vou lhe explicar enquanto te ausculto e faço o exame.

Explicar o quê?

-Explicar que tem coisas que não se explicam. Que eu posso perfeitamente gostar da arrogância de todas as respostas que me deu até aqui.

Impossível! Mas eu só quero que explique a minha dor, quero ficar boa. Só vim até aqui por isso. Ouvir falar que você é muito bom.

-Obrigada pelo primeiro elogio. Olhe, inicialmente você não tem nada além de uma pequena inflamação muscular.

Nossa, que bom! Já vou embora. Foi um prazer!

- Espere meu amor, preciso te passar um remédio.

Você sempre ama os seus pacientes?

- Não e você não imagina o risco que estou correndo com você. Posso te ligar pra saber se está tudo bem?

Não, deixe que eu te ligo. Tenho o número do telefone da clinica.

- Tudo bem, tchau moça, espero que melhore.

Tchau, amor, foi um prazer.

- Amor? Hahahaha. Me ligue o mais rápido, mas passe bem!

[acabou a consulta e ela saiu achando que tinha confiado em um louco para cuidar do seu principal músculo vital. Ela não sentiu mais nada depois daquele dia, nem o ligou]

2 comentários:

Unknown disse...

A sensação é que essas dores nunca acabam...

O que fazer?
O amor muitas vezes é ingrato! Por quê?
Se amar é ser feliz, quando se é retribuido.
Não importa se não queres me amar ..Só quero que fiques beem.

Lílian Mendes

Unknown disse...
Este comentário foi removido pelo autor.