quarta-feira, 25 de maio de 2011

Dias.




Ontem ele entrou no meu quarto e falou meia dúzia de coisas a respeito dos meus empreendimentos na nossa "relação".
Acredito que ele esperava que eu fosse prolatar o assunto.
Eu estava deitada numa rede, ele não me deu um beijo na testa e disse "eu vou embora" diante do meu silêncio.
Eu apenas lhe pedi, secamente, para apagar a luz. Ele não apagou.
Esses dias estão estranhos. Estou inerte a tudo.
Naquela rede eu tinha um livro de Dostoievsky e um manual de Direito Tributário, o que não me dava motivos pra querer que ele apagasse a luz ao sair. E tudo aquilo, o escuro ou as palavras pareciam me bastar.
É-me comum pedir pras pessoas fecharem as portas ao saírem[as portas], no entanto, eu ainda não compreendi analiticamente o desejo do escuro naquela hora vazia de emoção.
Hoje ele volta logo cedo e acende a luz [?], trouxe todos os meus papéis, músicas, caixas e burundangas especiais. Foi embora. De vez. Agora eu me levantei e a luz acesa já não fazia diferença alguma, fechei a porta definitivamente para aquele, para aquilo.
Hoje quero ficar no escuro das minhas palavras infernais e nessa insensibilidade que me retornou nesses dias ásperos de decisões cruéis. Não quero luz e sim silêncio, o que me afasta das perspectivas de que algo ou alguém faz sentido. Eu não queria que fosse assim baby, mas a minha normalidade é não sentir e isso é quase que uma escolha.

quinta-feira, 19 de maio de 2011

Dores estranhas.


O amor é, por definição, um prémio sem mérito.


Se uma mulher me diz:

eu amo-te porque tu és inteligente, porque és uma pessoa decente, porque me dás presentes, porque não andas atrás de outras mulheres, porque sabes cozinhar, então eu fico desapontado.

É muito mehor ouvir:

eu sou louca por ti embora nem sejas inteligente nem uma pessoa decente, embora sejas um mentiroso, um egoísta e um canalha.


Milan Kundera, in "A Lentidão"




Bom dia Dr.

-Olá garota, não esperava encontrar logo cedo uma paciente tão jovem...sente-se!

Sério?! Não acredito que estabeleceram um padrão de idade e tempo pras pessoas procurarem um cardiologista?

- Quê isso moça, só estou surpreso por que não é comum na minha especialidade me deparar com uma paciente tão jovem. Mas o quê você sente?

Sinto umas dores no peito esquerdo. É uma dor fina na parte de baixo, parece uma farpa e eu deveria sair dessa sala agora.

-Sair da sala? Você está sentindo alguma coisa?

É. Sair da sala. Eu não deveria confiar em alguém tão jovem pra cuidar do meu peito ou do que tem nele. Não é comum atribuir experiência à um profissional de vinte e poucos anos e acredito que o meu caso requeira.

- Engraçada você meu amor. Vamos continuar na consulta. Essa dor é central ou ela irradia?

Tudo bem. Espero não ter te chateado, só quis revidar. A dor é só em um lugar, parece dor de desilusão sabe? Só em um lugar.

-Hum, sei. E quando você se curva alivia?

Sim, um pouco, quando abraço os joelhos e as lágrimas molham o meu peito como se fossem analgésicos.

-Hahahaha! E se você pressionar o lugar que dói com os dedos a dor aumenta?

Sim.

-Acredito que a sua dor seja muscular, apenas, por isso que as lágrimas analgésicas aliviam. Mesmo assim vou te examinar e fazer um eletrocardiograma, tudo bem?

Sim. Mas não dói né?

- Não dói, eu nunca lhe machucaria meu amor.

Nossa! Você mal conhece as dores do meu coração e me chama de meu amor pela segunda vez em menos de trinta minutos. Imagino que o seu conceito de coração é que ele seja apenas um músculo que pulsa e tem uma válvula mitral.

- Não. É que te chamar de meu amor dá um sopro no meu coração. É algo esquisito, mas gostei.

Hahahahaha. Eu não acredito no que estou ouvindo, mas é bom haver essa descontração que me distrai. Até porque isso não existe, olhe, tenho uma tatuagem no ombro, sofro por um canalha, sou arrogante e provavelmente cardíaca. Eu não vejo nada de atraente nesse conjunto.

- Vou lhe explicar enquanto te ausculto e faço o exame.

Explicar o quê?

-Explicar que tem coisas que não se explicam. Que eu posso perfeitamente gostar da arrogância de todas as respostas que me deu até aqui.

Impossível! Mas eu só quero que explique a minha dor, quero ficar boa. Só vim até aqui por isso. Ouvir falar que você é muito bom.

-Obrigada pelo primeiro elogio. Olhe, inicialmente você não tem nada além de uma pequena inflamação muscular.

Nossa, que bom! Já vou embora. Foi um prazer!

- Espere meu amor, preciso te passar um remédio.

Você sempre ama os seus pacientes?

- Não e você não imagina o risco que estou correndo com você. Posso te ligar pra saber se está tudo bem?

Não, deixe que eu te ligo. Tenho o número do telefone da clinica.

- Tudo bem, tchau moça, espero que melhore.

Tchau, amor, foi um prazer.

- Amor? Hahahaha. Me ligue o mais rápido, mas passe bem!

[acabou a consulta e ela saiu achando que tinha confiado em um louco para cuidar do seu principal músculo vital. Ela não sentiu mais nada depois daquele dia, nem o ligou]

ESCUTE FOLK NOS DIAS CINZAS


Pode ser que o clima resolva improvisar e até proporcionar algo de bom nos dias que o sol se esconder, o que não é comum. Então você acorda com um smog imóvel no céu da janela do seu quarto e sabe, com toda a certeza desse mundo, que qualquer som que toque no seu aparelho portátil irá remeter àquele dia que você beijava [com a melhor das intenções] um cara [mal] intencionado. E pra não ficar sofrendo definitivamente por quem não presta é bom não ouvir música e ir assistir os Simpsons, ouvir, portanto um folk[isso mesmo] que não tenha pedras que rolem, e ver que existe muitas coisas além de fábrica de asfalto e montadora de motores de carros velozes para distrair as suas frustrações mal interpretadas e [analiticamente] insuperáveis.

terça-feira, 10 de maio de 2011

Velho, um medo.





“whole world's come undone
lookin' straight at the sun”

Não existia mais nada além da tentativa de romancear uma história que já havia perdido o brilho, que não tinha mais cor.

E o que restava?

Nada além de culpa e muitas versões descabidas do que realmente houve.

Acontece que tentei assemelhar essa história à um velho e metódico rock inglês.

Nada será suficiente para ela enquanto for apenas o bastante.

Uma demonstração sutil de qualquer coisa não é demonstração. E ali qualquer coisa nunca será apenas qualquer gesto. Tudo tem nome, cor, preço e endereço.

Ali foi um álibi em meio ao descrédito dos sentimentos que rodeavam uma concepção infeliz do que seria estar bem.

Estar só pra se estar.

O medo, a solidão, a aflição.

Tudo se desfez e se refez em poucas horas de distração.

E o que seria tudo quando ela descobre que o amor não é o bastante? O amor não é nada quando se i que falta muito aqui dentro.

Uma ponte pode ser uma ligação para qualquer coisa, e essa “qualquer coisa” é ele naquela velha história.

Mais uma vez: Culpa de quem?

Lidar com fatos, com atos e sentir que seu peito agora sente apertos, alívios, sente frio, sua boca sente sede de um beijo sincero.

Nesse sentir, ela embarca numa viagem sobre trilhos que já não brilham mais; trilhos ofuscados pela ferrugem externa da umidade que o vento traz, cheio de frio e de lágrimas e de cheiros que remetem a uma manhã fria com resquícios de felicidade.

O sentido não era ele que é tão sem sentido quanto as empolgações daquela menina que não se contenta com o que está ao seu alcance.

E os trilhos enferrujados estão pra todos que decidem passar e passear. Não é só dela, nem dele.

Você procura nos papéis e testemunhos uma venda pra evitar olhar pro sol, logo pela manhã, e descobre que um meio seria fazer isso o tempo todo.

Ele volta através de um medo tolo de perdê-lo. Perder nesse caso é quase uma piada. Mas, e perder de vista?

Nessa história de medo, ela vestiu, após um pesadelo, um espartilho tamanho mínimo, e o aperto no peito ficou. Nas reminiscencias em preto e branco, já sem força e intenção alguma.

sexta-feira, 6 de maio de 2011

Hi dude, eu preciso de um táxi




Uma energia súbita a fez recair[estranhamente] aos benefícios fraudulentos do salto alto.

O bom é que funcionou!

E essa mesma energia a levou, em plena quinta feira sem chuva, ao bar mais movimentado dessa conurbação provinciana.

Então, com tudo o que se pode expor, exposto, junto à vódka puríssima e o único cigarro que existia ali, se formava o kit sobrevivência das noites repetidas – o conjunto da abstração daquele vazio semestral que perdurava.

Tudo é bom quando uma música canta e alguns caras a cantam.

Ainda assim, havia o desejo incontido de uma visita aos sábados, acompanhada de flores. Mas isso não é admissível em estado sóbrio, apenas se deseja.

"The west is the best
The west is the best
Get here, and we'll do the rest"


- Essa música aqui?!

“Anjo, o seu táxi chegou. Tem certeza que quer ir?”

quinta-feira, 5 de maio de 2011

Ela, hedionda.





Ela lhe usa como um escudo no próprio combate intrínseco e te jura amor quando ama não sentir amor por aquilo.

Ela te faz acreditar que essa felicidade é eterna - isso já com o passaporte no bolso.

Ela te promete o sol de Toscana com os seus beijos insanos.

Ela só quer consumir o teu vinho caro junto da tua lareira, embora seja fria.

Ela desmaia ao forjar prazer com a esperança de que aquilo acabe logo - cantando em seguida um samba de solidão.

Ela te usa quando quer prazer.

Ela não prefere as tuas costas frias para deixar suas marcas.

Ela não escolheu a tua mão evasiva para segurar seu peito.

Ela não sente pena da tua solidão macabra, da tua vida bucólica e muito menos do teu perdão acessível.

Ela simplesmente não sente.

Ela deseja no fundo que o inferno seja teu e acredita no perdão por ter amor pelo teu ouro, branco de cor, sem gosto e tão viril.

Ela ama a sombra dos aplausos que são para você.

Ela ama o olhar diferenciado, o respeito imposto, os atos heróicos e as músicas de cabaré.

Ela só espera pelas horas livres quando na mesa de um bar acende um cigarro e sussurra entre os lábios do primeiro cara que a olhar.

Ela quer que o teu mundo se dane, ela quer o teu mundo no chão, aos seus pés sobre um scarpin carmim.

Ela quer sempre unhas vermelhas para ser conjunto com os peitos e pernas expostas ao luar.

Ela bebe o seu vinho de sangue e as suas lágrimas de ácido, quando ouvindo os seus gritos ela festeja porque logo mais irá embora da sua janela.

Ela não pode te esquecer porque nunca lembra e não sabe onde estava você.

Ela abre todos os teus portões para que sejam públicos os teus lamentos.

E tudo o que é teu pra ela é pouco; prazer, emoção, dinheiro e fé.

quarta-feira, 4 de maio de 2011

Agora sim.



Daqui há duas horas eu vou poder estar no lugar que a gente vai ver as coisas mais verdes serem mais felizes. Vou ver a água correndo e o sol bater nos seus ombros e refletir vários ângulos. Pode ser que seja hoje que os momentos resolvam se desviar de não acontecerem e com você eu possa pintar a borboleta de azas quadradas na parede em que se apresentar. São nessas horas que o meu espírito se apronta para respirar teus ares tão outros. Hoje é o dia de diluir na paz tudo o que passou na forma de dor, de coisas que ferem o peito. Que seja amanha também o dia pra olhar para o céu e ver que em meio a tantas estrelas a gente escolhe olhar pra uma...nem sempre a maior ou a mais luminosa, mas a do brilho singular que parece ser configurada às nossas carências mazeladas pra preencher tudo o que falta. É nesse lugar que as nossas almas se acalmam e até o som dos grãos de areia em movimento me fazem música. O teu peito me faz um carnaval; o teu sussurrar são como os ventos do mês de maio. Depois de tudo isso a gente dorme e é feliz enquanto permanecemos. As coisas passam tremendo na minha vontade de ficar. Passar é fato. Amanhã é um advérbio que não passa de um dia seguinte, e hoje o frio resolve me lembrar você. Dentro de nós, podemos mudar pouquíssimas coisas, ao nosso respeito também. Nós somos do tipo de bicho dos quais podemos mudar algumas situações, mas nem todas. Podemos, muitas vezes, trocar de emprego, de roupa, de cara, trocar de cidade e até de nome. Trocar de amigos, de namorado, trocar de carro. Podemos escolher cores, escolher filmes, até o dia de morrer podemos escolher. E sabe o que nos sobra a não poder e escolher? Mudar de amor, não escolhemos o tormento da nossa vida. Dizer-te isso não implica que eu ame você, acho que não amo, isso implica que hoje, a quantidade de folhas que tem espalhadas sobre a grama, é a mesma quantidade dos dias que eu acordava achando que te amava. Isso esbarrou demais em você e acho que o seu poder não me impede de lembrar-se disso. Lembrar pode ser bom. Quis só registrar essa peripécia. Em dias como hoje eu acho uma merda estar sob o mesmo céu que você, principalmente quando o raio fica menor que 39 km. Paradoxo?! Não é não. Isso não é muita coisa, já foi, mas não é tanto.